Luiz Henrique Lacerda
Advogado
Área Tributária
Conforme veiculado na impressa recentemente, o “contribuinte que, de forma contumaz e com dolo de apropriação, deixa de recolher o ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço incide no tipo penal do artigo 2º (inciso II) da Lei 8.137/1990”, concluíram os Ministros do STF no julgamento do Recurso Ordinário em Habeas Corpus (RHC) 163334, interposto comerciantes de Santa Catarina denunciados pelo Ministério Público Estadual (MP-SC).
No caso paradigma, um casal de comerciantes do Sul foi denunciado pelo Ministério Público por não recolher o ICMS, contraindo uma dívida de R$ 30 mil. Apesar de não ter pago o ICMS, o casal declarou o imposto. A defesa do casal recorreu ao STF sustentando que o mero não pagamento, sem sonegação ou tentativa de ocultar a dívida, não pode ser matéria penal, já que a prisão por dívida é vedada pela Constituição.
O Tribunal decidiu que seria ”inviável a absolvição sumária pelo crime de apropriação indébita tributária, sob o fundamento de que (…) interpretação consentânea com a dogmática penal do termo “descontado” é a de que ele se refere aos tributos diretos (…), enquanto o termo “cobrado” deve ser compreendido nas relações tributárias havidas com tributos indiretos (incidentes sobre o consumo), (…), porquanto, em qualquer hipótese, não haverá ônus financeiro para o contribuinte de direito não recolhimento do ICMS em operações próprias é atípico (…). Eventual dúvida quanto ao dolo de se apropriar há que ser esclarecida com a instrução criminal” decidiu o tribunal.
O resultado baliza a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), de 2018 que considerou que o não pagamento do ICMS caracteriza crime. Segundo o STJ, quem não recolhe o imposto pode ser enquadrado em apropriação indébita tributária, crime que pode levar à prisão de seis meses a dois anos.
O julgamento teve início quando a maioria dos ministros pugnou pela criminalização da apropriação indébita do imposto. A maioria dos ministros seguiu o entendimento do relator, Ministro Roberto Barroso, para quem o valor do ICMS cobrado do consumidor não integra o patrimônio do comerciante, o qual é mero depositário desse ingresso de caixa que, depois de devidamente compensado, deve ser recolhido aos cofres públicos.
O ministro, contudo, entende que, para caracterizar crime, é preciso comprovar a existência de intenção de praticar o ilícito (dolo). “Não se trata de criminalização da inadimplência, mas da apropriação indébita. Estamos enfrentando um comportamento empresarial ilegítimo”, concluiu.
O presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, acompanhou o voto do relator, por entender que a ausência de recolhimento do imposto não caracteriza mero inadimplemento fiscal. Para Toffoli, o ICMS não pertence ao contribuinte uma vez que trata-se de mero ingresso temporário. No entanto, o presidente da corte acompanhou o relator no sentido que deverá ser demonstrado consciência e a vontade explicita e contumaz do contribuinte de não cumprir suas obrigações com o fisco.
Vale dizer, para configurar o delito de apropriação indébita tributária o fato de o agente declarar em sua contabilidade o imposto devido não isenta o contribuinte na prática do delito, visto que este não pressupõe a clandestinidade.
Com o resultado, foi negado provimento ao recurso de extinção da ação penal. De acordo com os ministros, o juiz da causa deverá apreciar se presente dolo do tipo penal no caso concreto.