Cristian Dutra Moraes
Sócio
Área Trabalhista
Está pautado, para o próximo dia 19 de fevereiro, o julgamento de duas ações de competência originária do Supremo Tribunal Federal que, levado ao cabo seu julgamento, produzirão efeitos concretos em inúmeras discussões judiciais em trâmite na Justiça do Trabalho.
Tanto a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 361, ajuizada pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça Trabalhista – Anamatra, quanto a Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 48, de autoria da Confederação Nacional do Transporte – CNT, ambas de relatoria do Ministro Roberto Barroso, buscam dissipar as dúvidas existentes acerca da (in)constitucionalidade dos dispositivos legais contidos na Lei 11.442/2007 que, ao dispor acerca do transporte rodoviário de carga, disciplina como de natureza comercial a relação existente entre os transportador autônomo de carta (TAC) e as Empresas de Transporte Rodoviário de Cargas (ETC).
De um lado da discussão, vê-se a pretensão da Anamatra, que sustenta a inconstitucionalidade dos artigos 5 e 18 da Lei 11.442/2007. Em apertadíssima síntese, fundamenta que o art. 5º, ao predeterminar que a relação existente entre o TAC e o ETC é de natureza comercial, mesmo nas hipóteses nas quais estejam presentes todos os elementos da relação de emprego, assim o faz de forma a permitir a burla aos dispositivos constitucionais previstos no art. 7º da CF, seja (i) quando não possibilita a caracterização de emprego quando os elementos materiais apontam nesse sentido, seja quando, tal como na hipótese do art. 18, (ii) submete a tal tipo de relação a prazos prescricionais diferenciados. Assim, ao enfrentar tais questões, o Supremo Tribunal Federal não poderá se eximir de responder se os dispositivos legais previstos no art. 5º e 18 da Lei 11.442/07:
- Ofende o devido processo legal;
- Ofende o prazo prescricional das ações relativas aos créditos resultantes das relações de trabalho;
- Se usurpam a competência da Justiça do Trabalho para processar a julgar as ações oriundas da relação de trabalho.
De outro lado, encampando tese oposta e com a qual nos perfilhamos, defende a Confederação Nacional do Transporte que edição da Lei 11.442/07 está calcada no princípio da livre iniciativa (art. 1º, IV, e 170 da CF/88) e na liberdade do exercício de qualquer ofício ou profissão (art. 5º, VIII da CF/88), razão pela qual se faz necessária a declaração de sua constitucionalidade ante as reiteradas decisões proferidas na Justiça Especializada do Trabalho que vem, sistematicamente, dependendo do Tribunal Regional daquela Justiça, negando vigência a Lei 11.442/07 mesmo nas hipóteses em que há a estrita observância dos e preenchimento dos requisitos legais autorizadores para a realização da atividade econômica e que a caracterizam como de natureza comercial as diversas relações existentes entre os agentes do transporte rodoviários de carga no país, isto é, seja entre TAC e ETC, ou entre TAC e tomador de serviços. Dessa forma, sob o viés das alegações erigidas, o Supremo Tribunal Federal deverá se pronunciar a respeito dos seguintes temas:
- É constitucional a terceirização da atividade-fim;
- Constitui relação de emprego a contratação de motoristas autônomos por empresas de transporte de cargas.
Postos todos os argumentos, delimitados os temas em debates, e observado o contraditório a todos os atores da trama processual em ambos os casos que tramitam de forma apensada, o placar, após sessão plenária para julgamento conjunto de ambas as ações, realizada no último dia 5.09.2019, está da seguinte forma:
Na ADIN, pela improcedência, o Ministro Relator Roberto de Barros e o Ministro Alexandre de Moraes, pela procedência o Ministro Edson Fachin.
Na ADC, pela procedência, o Ministro Relator Roberto de Barros e o Ministro Alexandre de Moraes, pela improcedência o Ministro Edson Fachin.
Após a sessão plenária ocorrida no dia 05.09.2019, o Ministro Relator Roberto de Barros, ao firmar o entendimento pela constitucionalidade da lei, foi claro em anotar que não se está a chancelar sua burla à norma constitucional tida por violada. Com efeito, com a clareza que lhe é peculiar, suscitou que não se aplica a legislação quando se estiver fraudando a norma e onde exista efetivamente relação de trabalho e não se estiver reconhecendo o vínculo. Assim sendo, firme em suas convicções, resumiu a questão propondo o seguinte enunciado:
- A Lei 11.442/2007 é constitucional, uma vez que a Constituição não veda a terceirização de atividade meio ou fim;
- O prazo prescricional estabelecido no art. 18 da Lei 11.442/2007 é válido, porque não se trata de créditos resultantes de relação de trabalho, mas de relação comercial, não incidindo na hipótese o art. 7º, XXIX, da CF;
- Uma vez preenchidos, os requisitos dispostos na Lei 11.442/2007, estará configurada relação comercial de natureza civil e afastada a configuração de vínculo trabalhista.
Sob nossa análise, caso no próximo dia 19.02 venha a ser dirimida a questão nos termos do enunciado proposto pelo Ministro Relator, a discussão que se travará na seara trabalhista será simplificada, pois a possibilidade da caracterização do vínculo de emprego somente será apresentada possível caso as partes não se atendem às regras contidas na Lei 11.442/07.
É dizer que, em primeiro plano, caberá ao magistrado da Justiça Especializada verificar o preenchimento dos requisitos legais exigidos na lei para a caracterização da relação comercial, para somente após esse juízo de prelibação, poder investigar, em sede instrutória do contencioso trabalhista, se há elementos para a configuração do vínculo.
Em via de conclusão, mantido o posicionamento do STF, preenchido os requisitos legais da Lei 11.422/07, nada mais restará ao magistrado senão declarar como comercial a relação em debate.
Por seu turno, o reverso da moeda não induzirá a mesma conclusão. E isto porque o fato de não haver a regularidade formal exigida na Lei 11.422/07 não redundará imediatamente na conclusão de que há vínculo de emprego. Nessa hipótese, isto é, ausência de regularidade formal, deverá o Magistrado investigar em sede instrutória se a relação havida preenche ou não os requisitos exigidos pela CLT para a configuração do vínculo.